Espetáculo Carolinas no Gabinete de Leitura – Sorocaba/SP

Educandário Bezerra de Menezes (Zona Leste)

Escola Getúlio Vargas (Centro de Sorocaba)

Escola Estadual Prof. Césarotti (Zona Norte)

Formação Carolinas na Escola Duljara:

A Escola Césarotti foi palco de uma formação profunda e acolhedora. Com participação ativa dos docentes, o Projeto Carolinas gerou reflexões valiosas sobre o papel da escola na desconstrução do racismo estrutural. Durante o encontro, propusemos vivências que fortalecem o protagonismo das crianças negras, aliando teoria e prática em favor de uma educação que enxerga, acolhe e valoriza todas as histórias.

No Educandário Bezerra de Menezes, a formação do Projeto Carolinas foi um verdadeiro encontro de sensibilidade e propósito. O diálogo com os professores trouxe à tona memórias, desafios e caminhos possíveis para práticas pedagógicas antirracistas. As atividades compartilharam ferramentas para trabalhar identidade, pertencimento e respeito à diversidade dentro e fora da sala de aula, com foco na construção de uma educação mais equitativa e humana.

A Escola Estadual Getúlio Vargas, localizada no coração de Sorocaba, recebeu o Projeto Carolinas com uma energia transformadora. A formação foi marcada por conversas potentes sobre consciência racial, atividades práticas para sala de aula e estratégias para promover um ambiente mais inclusivo e representativo. Educadores se mostraram abertos e engajados em ampliar horizontes pedagógicos com foco na valorização da história e cultura afro-brasileira.

A Escola Municipal Duljara, na Zona Norte, foi a primeira a receber a formação do Projeto Carolinas — um momento importante de encontro com docentes comprometidos no fortalecimento da educação antirracista.Durante o HTPC, compartilhamos atividades práticas, reflexões sobre identidade racial e métodos pedagógicos que valorizam a cultura afro-brasileira, trazendo voz e representatividade às crianças negras.

Educandário Bezerra de Menezes (Zona Leste)

Escola Getúlio Vargas (Centro de Sorocaba)

Escola Estadual Prof. Césarotti (Zona Norte)

Formação Carolinas na Escola Duljara:

A Escola Césarotti foi palco de uma formação profunda e acolhedora. Com participação ativa dos docentes, o Projeto Carolinas gerou reflexões valiosas sobre o papel da escola na desconstrução do racismo estrutural. Durante o encontro, propusemos vivências que fortalecem o protagonismo das crianças negras, aliando teoria e prática em favor de uma educação que enxerga, acolhe e valoriza todas as histórias.

No Educandário Bezerra de Menezes, a formação do Projeto Carolinas foi um verdadeiro encontro de sensibilidade e propósito. O diálogo com os professores trouxe à tona memórias, desafios e caminhos possíveis para práticas pedagógicas antirracistas. As atividades compartilharam ferramentas para trabalhar identidade, pertencimento e respeito à diversidade dentro e fora da sala de aula, com foco na construção de uma educação mais equitativa e humana.

A Escola Estadual Getúlio Vargas, localizada no coração de Sorocaba, recebeu o Projeto Carolinas com uma energia transformadora. A formação foi marcada por conversas potentes sobre consciência racial, atividades práticas para sala de aula e estratégias para promover um ambiente mais inclusivo e representativo. Educadores se mostraram abertos e engajados em ampliar horizontes pedagógicos com foco na valorização da história e cultura afro-brasileira.

A Escola Municipal Duljara, na Zona Norte, foi a primeira a receber a formação do Projeto Carolinas — um momento importante de encontro com docentes comprometidos no fortalecimento da educação antirracista.Durante o HTPC, compartilhamos atividades práticas, reflexões sobre identidade racial e métodos pedagógicos que valorizam a cultura afro-brasileira, trazendo voz e representatividade às crianças negras.

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Memórias cruzadas:
João de Camargo e Carolina Maria de Jesus

Fonte: https://www.portalporque.com.br/sorocaba-regiao/nos-165-anos-de-joao-de-camargo

Memórias cruzadas: João de Camargo e Carolina Maria de Jesus

Pensar a população negra no Brasil envolve várias possibilidades e caminhos de análise, tendo em vista sua importância para a formação cultural, política e econômica do país. O imenso impacto da diáspora africana ao longo dos anos de escravidão, somado à capacidade de resistência e inventividade dessa população, permitiu a criação de caminhos e "mundos" para existir, apesar das condições adversas produzidas por um país moldado pelo colonialismo. Dessa forma, ao pensarmos nas memórias cruzadas desses dois nomes importantes para a luta negra, podemos vislumbrar a possibilidade de novos mundos, bem como constatar o poder que o Brasil tem de produzir apagamentos e branqueamentos.

Carolina Maria de Jesus(1914-1977), nos traz a possibilidade de perceber o quanto a mulher negra e favelada pode pensar a si mesma, criando uma literatura profunda que não buscou apenas estigmatizar os sujeitos racializados pelo colonialismo. Com sua obra de maior sucesso “Quarto de Despejo: diário de uma favelada” (1960), a autora emula o debate sobre a memória nacional. Já João de Camargo (1858-1942), com a fundação da sua Igreja Negra e Misteriosa da Água Vermelha(1907), possibilitou um universo de convivência e acolhimento fundamental para a população negra na localidade de Sorocaba - SP, que na década de 1930 chegou a receber a alcunha de O Papa Negro pela revista de circulação nacional, O Malho em 1934. Ambos em períodos diferentes, embora próximos, tiveram uma expressividade imensa no debate público.

Pensar a população negra no Brasil envolve várias possibilidades e caminhos de análise, tendo em vista sua importância para a formação cultural, política e econômica do país. O imenso impacto da diáspora africana ao longo dos anos de escravidão, somado à capacidade de resistência e inventividade dessa população, permitiu a criação de caminhos e "mundos" para existir, apesar das condições adversas produzidas por um país moldado pelo colonialismo. Dessa forma, ao pensarmos nas memórias cruzadas desses dois nomes importantes para a luta negra, podemos vislumbrar a possibilidade de novos mundos, bem como constatar o poder que o Brasil tem de produzir apagamentos e branqueamentos.


Carolina Maria de Jesus(1914-1977), nos traz a possibilidade de perceber o quanto a mulher negra e favelada pode pensar a si mesma, criando uma literatura profunda que não buscou apenas estigmatizar os sujeitos racializados pelo colonialismo. Com sua obra de maior sucesso “Quarto de Despejo: diário de uma favelada” (1960), a autora emula o debate sobre a memória nacional. Já João de Camargo (1858-1942), com a fundação da sua Igreja Negra e Misteriosa da Água Vermelha(1907), possibilitou um universo de convivência e acolhimento fundamental para a população negra na localidade de Sorocaba - SP, que na década de 1930 chegou a receber a alcunha de O Papa Negro pela revista de circulação nacional, O Malho em 1934. Ambos em períodos diferentes, embora próximos, tiveram uma expressividade imensa no debate público.

Fonte: https://ims.com.br/

Carolina Maria de Jesus teve um imenso sucesso de vendas com a publicação do seu primeiro livro e chegou a ter sua obra publicada em 13 idiomas, chegando a mais de 40 países. A mulher negra que passou uma vida inteira de dificuldades por conta do contexto que sua família enfrentava no pós-abolição na cidade de Sacramento, interior de Minas Gerais, sendo seu avô ex-escravizado e sua mãe filha do ventre livre, conseguiu cursar até o segundo ano do primário da escola. Na sua travessia pela vida, enfrentou condições análogas a escravidão com a sua mãe, indo parar em Franca, interior de São Paulo, onde viveu entre trabalhos domésticos e a vida de moradora de rua

Carolina partiu de Franca para São Paulo em 1937, separando-se então de sua mãe. Carregava consigo a vontade de ler e publicar suas poesias e livros, ao passo que precisou encarar a realidade de um território hostil, o núcleo do desenvolvimento capitalista brasileiro, onde ser uma mulher negra, sem posses e com o ímpeto de trilhar uma vida intelectual era algo muito mais difícil (vale lembrar que o capitalismo brasileiro se construiu através da sistematização do racismo). De semi-moradora de rua, intercalando períodos nas casas dos patrões, encontrou espaço na favela do Canindé, às margens do rio Tietê, fazendo desse território a morada de seus filhos. Passou a sobreviver como catadora para garantir o pão de cada dia, sem nunca abandonar o sonho de ser escritora. Carolina fez tudo o que estava ao seu alcance por esse sonho, caminhando por jornais e editoras e registrando seus escritos.


A vida na favela fez com que seus manuscritos tivessem o tom de um diário onde registrava os acontecimentos do seu cotidiano. A partir de experiências vividas

e observadas em seu entorno, fome e violência doméstica passaram a ser uma constante em seus textos. Havia profundidade na sua escrita, com ricos diálogos sobre a percepção da política nacional, a vida com seus vizinhos e os dilemas que enfrentava com seus filhos. Quando Carolina soube que o jovem jornalista Audálio Dantas estava visitando a favela, em 1958, buscou criar as condições para encontrá-lo e mostrar sua produção. Esse diálogo despertou grande interesse do jornalista pelos seus escritos,

e ali se consolidou o acontecimento que mudaria sua vida: seus textos seriam publicados e alcançariam o debate nacional. A publicação do seu livro “Quarto de Despejo: diário de uma favelada” em 1960, causou grande impacto por sua qualidade e originalidade ímpar, que só poderiam vir de quem possuía de fato aquelas experiências marcadas em

seu corpo.

O grande sucesso do livro causou estranhamento e reação da elite literária branca/colonial, que questionou e duvidou da autoria da obra, e acusou o jornalista Dantas de estar apenas fazendo uma jogada de marketing. Por mais que Carolina tenha trilhado um caminho árduo para publicar, a sua cor falaria mais alto. Como poderia uma mulher negra e favelada escrever com tanta qualidade e ser sucesso de venda? Tal feito era algo impensável para essa elite racista. Ao questionar a autoria da obra, o mercado editorial nos mostra como operava, e opera, a partir da racialização. Seus agentes e escritores mostram uma face da intelectualidade brasileira que olha para a população negra ainda na condição de objeto, mercadoria e mão de obra barata. Jamais na condição de sujeito da sua própria história. O colonialismo enquanto ideologia opera sempre privilegiando a branquitude, construindo o branco com o eu dotado da civilização e os racializados como o outro bárbaro que precisa ser civilizado. É importante notar que, assim como o próprio jornalista Audálio Dantas, outras vozes daquela época reconheceram a obra de Carolina, tais como Manoel Bandeira e a própria Clarice Lispector.

Mesmo com todas essas questões e enfrentamento, sua fama aumentava. João de Camargo, ao longo desse processo, construiu uma infraestrutura para receber os necessitados e também para gerar fundos para sua capela. Com casas de aluguel e também casas dedicadas àqueles que necessitavam, foi se formando ao longo do tempo um território que a cidade era obrigada a respeitar. Ofereceu educação para as crianças, fundando uma escola mista na sua igreja, chegou a pedir parceria com a prefeitura, mas teve seu pedido negligenciado. A sua fama agora era consolidada na cidade e fora dela. Ele recebia cartas de correspondência de diversos lugares; gente da capital vinha atrás dos seus conselhos e sabedoria. Seu reconhecimento, rendeu uma matéria na revista O Malho intitulada O Papa Negro de Sorocaba . A cidade que buscava apagar a todo custo seu passado escravista e de perseguição a cultura e a forma de vida dos condenados da terra, agora era reconhecida como a cidade do Papa Negro.

Com sua presença, trabalho e grande carisma, conseguiu por muito tempo manter seus horizontes e crenças de pé nesse território, num espaço de partilha e acolhimento, sem essencialismos, tanto da cor de pele quanto religioso, sustentando um lugar seguro para os indesejados da Manchester Paulista. Após a sua morte, esse cenário gradativamente foi mudando, o progresso avançou sobre a região, e o que era antes um espaço para os desvalidos foi se transformando em uma região elitizada, com avenidas e prédios que suscitam a modernidade. Sua capela, que ficou sob a guarda da associação espírita, foi lentamente se referindo a João de Camargo apenas como um médium. Embora tenha sido tombada como patrimônio histórico em 1995 pela cidade, a capela foi tomando ares de uma construção que estava para cair.

A autora conseguiu sair da condição de miséria e dar continuidade a sua carreira, mas agora com o olhar de que ela deveria escrever coisas de negros. Carolina agora habitava a sala de visitas, e buscava mediar suas vontades como escritora com o espaço a ela reservado pelo mercado editorial como mulher negra, carregando uma semelhança imensa com a atualidade. O que nos traz para esse debate é pensar o quanto o apagamento da sua obra e vida, faz parte de um projeto epistêmico e de desumanização do Outro, buscando consolidar a visão do negro como uma coisa, que pode apenas estar nos lugares designados pelo racismo. Observamos que existe uma busca constante pela domesticação daqueles que são desumanizados, seguida de uma construção subjetiva hegemônica de que não exista um passado de agência do negro no Brasil.

João de Camargo e Carolina Maria de Jesus foram personalidades que fizeram muito pela luta antirracista e pela dignidade humana, diante das determinações históricas de seu tempo. Devido à sua grande fama e importância, deveriam ter tido o devido reconhecimento histórico de seus legados. Porém, o que observamos na história recente do Brasil é uma desvalorização, um apagamento, chegando até a uma tentativa de branqueamento quando pensamos em João de Camargo. Ele é visto por certos setores da sociedade como alguém que "apenas fazia o bem", nos moldes do cristianismo que o perseguiu de forma sistemática, tentando ocultar seu lado ligado às tradições de matriz africana.
O debate sobre a memória na sociedade é fruto das forças que atuam nela, buscando dar um sentido entre presente, passado e futuro. A memória é construída a partir de símbolos que impactam o imaginário social, criando um senso coletivo sobre o presente através do passado. Dessa forma, percebemos que a memória coletiva é resultado dos jogos de poder que circundam a sociedade, nos quais as classes dominantes exercem uma hegemonia no controle do passado. Se a história negra (e não apenas a negra, mas a dos sujeitos racializados) passa por um projeto de apagamento ou de adequação à normalidade do "mundo civilizado", evidencia-se que, para o projeto de futuro que essas forças operam, não há espaço para aqueles que não se adequam ao projeto civilizatório do colonialismo. Isso torna essas vidas alvo de qualquer intempérie, transformando-as em vidas e mortes que não têm direito à memória e ao luto.

Seguindo a perspectiva do apagamento, vamos observar agora a trajetória de João de Camargo, que faz um caminho similar ao de Carolina, na busca pela sobrevivência e existência. Nhô João também vivera o drama de transitar de um bom escravo a mau cidadão na transição do império (1822-1889) para a para Primeira República (1889-1930). Nasceu em 16 de maio de 1858 na fazendo dos Camargo Barros em Sarapuí, interior do estado de São Paulo, ainda na condição de escravizado, recebeu de sua mãe Francisca saberes ancestrais das ervas e curas, junto do convívio com outros cativos que orbitavam seu cotidiano. Com a transição do século 19 para o 20, junto ao fim da escravidão, João de Camargo passou a buscar emprego e sobrevivência, exercendo vários ofícios braçais para sobreviver ao cenário difícil que o cercava. Já em Sorocaba-SP, entrou em uma cidade que buscava se industrializar e se firmar enquanto

Fonte: https://ponte.org/carolina-maria-de-jesus-

uma cidade higienizada. Tal horizonte levou a cidade a se reconhecer como a Manchester Paulista, mirando na perspectiva da modernidade, cujo ideal era branco e europeu.
Mesmo nesse contexto, João de Camargo nunca abandonou totalmente os ensinamentos de sua mãe. Atravessando as crises sanitárias da cidade, como a febre amarela, ele tem em suas biografias a constante de um trabalhador que se alcoolizava após o expediente. Já em 1906, recebeu o chamado na cruz de Alfredinho (a cruz de Alfredinho faz parte do mito fundador da Capela João de Camargo) para criar um espaço de acolhimento e de curas. A cidade de Sorocaba sempre teve uma população negra presente que buscou construir seus espaços de sociabilidade e sobrevivência. Há na história sorocabana a tentativa de construir uma igreja voltada para a comunidade negra, porém nunca se concretizou devido à força conservadora da Igreja Católica da época. O entorno da capela de João de Camargo se tornou esse espaço para a comunidade negra.
João de Camargo construiu sua capela em 1907, e passou a atender a todos os que buscavam acolhimento, curas e ajuda. A população negra, mas não só ela, reconheceu rapidamente o seu papel e sua relevância. Rapidamente seu nome circulou na cidade, um território que de imediato era rural, mas que aos poucos se tornou um intercruzamento entre o rural e o urbano. O território da Água Vermelha aos poucos foi se consolidando como uma territorialidade negra, que permitia em certa medida que ali se habitasse tudo aquilo que a cidade buscava apagar, a memória da escravidão, os tambores e os saberes ancestrais. A Igreja Negra e Misteriosa da Água Vermelha, como chegou a ser chamada, passou a permear o debate público da época. A imprensa sorocabana respondeu prontamente com sucessivas campanhas para difamar e lembrar a todos que se trava de um negro, que não possuia os conhecimentos legitimados pelo colonialismo.

Wellington Ataide

Portanto, observamos a relevância do movimento negro nessa luta, pois é através dele, seja em âmbito nacional ou local, que reside a dignidade humana. Ao travarem a batalha pela memória, ao trazerem à tona a literatura negra de Carolina Maria de Jesus e a importância, para as religiões de matriz africana e a população negra em geral, do legado de João de Camargo, carregam consigo um universal concreto. Este universal reconhece na particularidade a universalidade da vida humana. Lutar contra o apagamento dos não brancos, para além de se tratar de uma reparação histórica, é lutar por um mundo sem racismo, pela dignidade humana.

Carolina Maria de Jesus teve um imenso sucesso de vendas com a publicação do seu primeiro livro e chegou a ter sua obra publicada em 13 idiomas, chegando a mais de 40 países. A mulher negra que passou uma vida inteira de dificuldades por conta do contexto que sua família enfrentava no pós-abolição na cidade de Sacramento, interior de Minas Gerais, sendo seu avô ex-escravizado e sua mãe filha do ventre livre, conseguiu cursar até o segundo ano do primário da escola. Na sua travessia pela vida, enfrentou condições análogas a escravidão com a sua mãe, indo parar em Franca, interior de São Paulo, onde viveu entre trabalhos domésticos e a vida de moradora de rua.

Carolina partiu de Franca para São Paulo em 1937, separando-se então de sua mãe. Carregava consigo a vontade de ler e publicar suas poesias e livros, ao passo que precisou encarar a realidade de um território hostil, o núcleo do desenvolvimento capitalista brasileiro, onde ser uma mulher negra, sem posses e com o ímpeto de trilhar uma vida intelectual era algo muito mais difícil (vale lembrar que o capitalismo brasileiro se construiu através da sistematização do racismo).

Fonte: https://ims.com.br/

Fonte: https://ponte.org/carolina-maria-de-jesus-

De semi-moradora de rua, intercalando períodos nas casas dos patrões, encontrou espaço na favela do Canindé, às margens do rio Tietê, fazendo desse território a morada de seus filhos. Passou a sobreviver como catadora para garantir o pão de cada dia, sem nunca abandonar o sonho de ser escritora. Carolina fez tudo o que estava ao seu alcance por esse sonho, caminhando por jornais e editoras e registrando seus escritos.

A vida na favela fez com que seus manuscritos tivessem o tom de um diário onde registrava os acontecimentos do seu cotidiano. A partir de experiências vividas e observadas em seu entorno, fome e violência doméstica passaram a ser uma constante em seus textos. Havia profundidade na sua escrita, com ricos diálogos sobre a percepção da política nacional, a vida com seus vizinhos e os dilemas que enfrentava com seus filhos. Quando Carolina soube que o jovem jornalista Audálio Dantas estava visitando a favela, em 1958, buscou criar as condições para encontrá-lo e mostrar sua produção. Esse diálogo despertou grande interesse do jornalista pelos seus escritos, e ali se consolidou o acontecimento que mudaria sua vida: seus textos seriam publicados e alcançariam o debate nacional. A publicação do seu livro “Quarto de Despejo: diário de uma favelada” em 1960, causou grande impacto por sua qualidade e originalidade ímpar, que só poderiam vir de quem possuía de fato aquelas experiências marcadas em seu corpo.
O grande sucesso do livro causou estranhamento e reação da elite literária branca/colonial, que questionou e duvidou da autoria da obra, e acusou o jornalista Dantas de estar apenas fazendo uma jogada de marketing. Por mais que Carolina tenha trilhado um caminho árduo para publicar, a sua cor falaria mais alto. Como poderia uma mulher negra e favelada escrever com tanta qualidade e ser sucesso de venda? Tal feito era algo impensável para essa elite racista. Ao questionar a autoria da obra, o mercado editorial nos mostra como operava, e opera, a partir da racialização. Seus agentes e escritores mostram uma face da intelectualidade brasileira que olha para a população negra ainda na condição de objeto, mercadoria e mão de obra barata. Jamais na condição de sujeito da sua própria história. O colonialismo enquanto ideologia opera sempre privilegiando a branquitude, construindo o branco com o eu dotado da civilização e os racializados como o outro bárbaro que precisa ser civilizado. É importante notar que, assim como o próprio jornalista Audálio Dantas, outras vozes daquela época reconheceram a obra de Carolina, tais como Manoel Bandeira e a própria Clarice Lispector.
A autora conseguiu sair da condição de miséria e dar continuidade a sua carreira, mas agora com o olhar de que ela deveria escrever coisas de negros. Carolina agora habitava a sala de visitas, e buscava mediar suas vontades como escritora com o espaço a ela reservado pelo mercado editorial como mulher negra, carregando uma semelhança imensa com a atualidade. O que nos traz para esse debate é pensar o quanto o apagamento da sua obra e vida, faz parte de um projeto epistêmico e de desumanização do Outro, buscando consolidar a visão do negro como uma coisa, que pode apenas estar nos lugares designados pelo racismo. Observamos que existe uma busca constante pela domesticação daqueles que são desumanizados, seguida de uma construção subjetiva hegemônica de que não exista um passado de agência do negro no Brasil.
Seguindo a perspectiva do apagamento, vamos observar agora a trajetória de João de Camargo, que faz um caminho similar ao de Carolina, na busca pela sobrevivência e existência. Nhô João também vivera o drama de transitar de um bom escravo a mau cidadão na transição do império (1822-1889) para a para Primeira República (1889-1930). Nasceu em 16 de maio de 1858 na fazendo dos Camargo Barros em Sarapuí, interior do estado de São Paulo, ainda na condição de escravizado, recebeu de sua mãe Francisca saberes ancestrais das ervas e curas, junto do convívio com outros cativos que orbitavam seu cotidiano. Com a transição do século 19 para o 20, junto ao fim da escravidão, João de Camargo passou a buscar emprego e sobrevivência, exercendo vários ofícios braçais para sobreviver ao cenário difícil que o cercava. Já em Sorocaba-SP, entrou em uma cidade que buscava se industrializar e se firmar enquanto uma cidade higienizada. Tal horizonte levou a cidade a se reconhecer como a Manchester Paulista, mirando na perspectiva da modernidade, cujo ideal era branco e europeu.
Mesmo nesse contexto, João de Camargo nunca abandonou totalmente os ensinamentos de sua mãe. Atravessando as crises sanitárias da cidade, como a febre amarela, ele tem em suas biografias a constante de um trabalhador que se alcoolizava após o expediente. Já em 1906, recebeu o chamado na cruz de Alfredinho (a cruz de Alfredinho faz parte do mito fundador da Capela João de Camargo) para criar um espaço de acolhimento e de curas. A cidade de Sorocaba sempre teve uma população negra presente que buscou construir seus espaços de sociabilidade e sobrevivência. Há na história sorocabana a tentativa de construir uma igreja voltada para a comunidade negra, porém nunca se concretizou devido à força conservadora da Igreja Católica da época. O entorno da capela de João de Camargo se tornou esse espaço para a comunidade negra.

Fonte: https://www.portalporque.com.br/sorocaba-regiao/nos-165-anos-de-joao-de-camargo

Fonte: https://www.portalporque.com.br/sorocaba-regiao/nos-165-anos-de-joao-de-camargo

João de Camargo construiu sua capela em 1907, e passou a atender a todos os que buscavam acolhimento, curas e ajuda. A população negra, mas não só ela, reconheceu rapidamente o seu papel e sua relevância. Rapidamente seu nome circulou na cidade, um território que de imediato era rural, mas que aos poucos se tornou um intercruzamento entre o rural e o urbano. O território da Água Vermelha aos poucos foi se consolidando como uma territorialidade negra, que permitia em certa medida que ali se habitasse tudo aquilo que a cidade buscava apagar, a memória da escravidão, os tambores e os saberes ancestrais. A Igreja Negra e Misteriosa da Água Vermelha, como chegou a ser chamada, passou a permear o debate público da época. A imprensa sorocabana respondeu prontamente com sucessivas campanhas para difamar e lembrar a todos que se trava de um negro, que não possuia os conhecimentos legitimados pelo colonialismo.

Se construiu uma imagem de João de Camargo como um símbolo de atraso pela imprensa sorocabana, chegou ao ponto da sua prisão em 1913, sob a acusação de charlatanismo. Após a sua prisão, Nhô João passou a ter um entendimento do seu papel na sociedade e da sua condição de negro na cidade. Isso fez dele uma pessoa que necessitava buscar estratégias para poder existir e resistir. Passou a atuar criando condições para a população negra viver melhor, como a fundação da Banda São Luiz. Ao mesmo tempo que gerava emprego, atravessava a cidade com seus músicos. Seguindo os conselhos de seu advogado, registrou a sua capela em 1921 como Associação Espírita Nosso Senhor do Bonfim – Av. Barão de Tatuí, n.º 1.083 – , estratégia que se tornou comum a muitos terreiros para sua sobrevivência.

Mesmo com todas essas questões e enfrentamento, sua fama aumentava. João de Camargo, ao longo desse processo, construiu uma infraestrutura para receber os necessitados e também para gerar fundos para sua capela. Com casas de aluguel e também casas dedicadas àqueles que necessitavam, foi se formando ao longo do tempo um território que a cidade era obrigada a respeitar. Ofereceu educação para as crianças, fundando uma escola mista na sua igreja, chegou a pedir parceria com a prefeitura, mas teve seu pedido negligenciado. A sua fama agora era consolidada na cidade e fora dela. Ele recebia cartas de correspondência de diversos lugares; gente da capital vinha atrás dos seus conselhos e sabedoria. Seu reconhecimento, rendeu uma matéria na revista O Malho intitulada O Papa Negro de Sorocaba . A cidade que buscava apagar a todo custo seu passado escravista e de perseguição a cultura e a forma de vida dos condenados da terra, agora era reconhecida como a cidade do Papa Negro.

Referências bibliográficas

https://www.jornalcruzeiro.com.br/presenca/tbt-joao-de-camargo/

ATAIDE, Wellington Renan Téles de. João de Camargo: um negro na encruzilhada da modernidade. 2023. Dissertação (Mestrado em Estudos da Condição Humana) – Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2023.
BARONE, Ana Cláudia Castilho. ST 10 Carolina Maria de Jesus, uma trajetória urbana. Anais do XVI Encontro Nacional da Anpur, v. 1, n. 16, 2015.

Possui mestrado em Estudos da Condição Humana Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar - UfsCar, graduação em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP (2014). Durante a graduação teve atuação como Bolsista do projeto Núcleo de Ensino Unesp-Franca e participação no grupo de pesquisa GECU( Grupo de Estudos Culturais) com enfase em música popular e industria cultural. Atualmente Leciona as disciplinas de História, Sociologia e Filosofia para o Ensino Médio. É pesquisador do Baobá - Grupo de Estudos Negros de Sorocaba-SP, grupo que ajudou a fundar em 2018. e é pesquisador do Nucleo de Estudos e Pesquisas em Tecnologia e SPciedeade - NEPETECS (UFScar Sorocaba --SP).
CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. João de Camargo o Homem da Água Vermelha. Maringá:



Publisher Editora, 2020.

CAMPOS, Carlos de; FRIOLI, Adolfo. João de Camargo o Nascimento de uma religião de Sorocaba. São Paulo: SENAC, 1999.

FANON, Frantz. Peles negras Máscaras Brancas. Salvador: UFBA. 2008.

FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1968.

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 10. ed. - São Paulo : Ática, 2014

HISTÓRIA PRETA 1, fora do lugar, Thiago André, fevereiro 13 de 2023, disponível em: https://historiapreta.com.br acessado em : 28, jul, 2025.

HISTÓRIA PRETA 2, Diário de Bitita, Thiago André, fevereiro 27 de 2023, disponível em: https://historiapreta.com.br acessado em : 28, jul, 2025.

HISTÓRIA PRETA 3, Poetisa Negra, Thiago André, março 13 de 2023, disponível em: https://historiapreta.com.br acessado em: 29, jul, 2025.

HISTÓRIA PRETA 4, Quarto de Despejo. Thiago André, março 27 de 2023, disponível em: https://historiapreta.com.br acessado em : 29, jul, 2025.

HISTÓRIA PRETA 5, Aplausos e Pedradas, Thiago André, abril 16 de 2023, disponível em: https://historiapreta.com.br acessado em: 30, jul, 2025.

HISTÓRIA PRETA 6, Sala de Visitas, Thiago André, abril 24 de 2023, disponível em: https://historiapreta.com.br acessado em: 30, jul, 2025.

HISTÓRIA PRETA 7, Casa de Alvenaria, Thiago André, maio 8 de 2023, disponível em: https://historiapreta.com.br acessado em : 01, ago, 2025.

HISTÓRIA PRETA 8, Triste Fracasso, Thiago André, maio 22 de 2023, disponível em: https://historiapreta.com.br acessado em : 02, ago, 2025.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: SP Editora UNICAMP, 1990

ROSA, Carolina Schenatto da, SILVA, Gilberto Ferreira da. Carolina Maria de Jesus e o pensamento liminar na literatura brasileira, Revista Estudos Feministas, Florianópolis 28(2): e60635 DOI: 10.1590/1806-9584-2020v28n260635

MOURA, Clóvis. O negro, de bom escravo a mau cidadão?. São Paulo Editora Dandara, 2021.

SILVA, Fátima Aparecida.Escola, movimento negro e memória: o 13 de maio em Sorocaba - 1930 Dissertação de mestrado Pós-Graduação em Educação da Universidade de Sorocaba, UNISO, 2005


COMO AS POLÍTICAS DE INCLUSÃO ÉTNICO-RACIAL MUDARAM A ATUAÇÃO DOCENTE NO BRASIL DO SÉCULO XXI?

No século XXI, refletir sobre a educação e o fazer docente no Brasil significa considerar como esses processos históricos e culturais continuam a impactar a atuação dos professores e a organização do ensino. A compreensão do passado permite identificar desafios atuais e construir caminhos para uma educação mais plural, democrática e comprometida com a justiça social. Dessa forma, o fazer docente ganha um significado ampliado, englobando não apenas a transmissão de conteúdos, mas também a valorização das identidades, das experiências e das lutas de diferentes grupos sociais que compõem a sociedade brasileira.A trajetória da educação brasileira é marcada por influências diversas, que refletem as transformações sociais, políticas e econômicas do país. Esse reconhecimento é fundamental para compreender o contexto em que se desenvolve o trabalho docente, pois as práticas pedagógicas, os saberes e as formas de aprender são atravessados por essas histórias. O fazer docente é o coração da didática escolar. Segundo Libâneo (2015), a didática compreende as dimensões de saber (epistemologias), de aprender (processos psicopedagógicos) e de desenvolver práticas de ensino (processos socioculturais e institucionais). Essa tríade pedagógica organiza e dá sentido ao que pode ser contemplado como fazer docente. Nilma L. Gomes (2000), ao pensar sobre a formação docente aborda o sentido da didática e defende que a educação deve realizar um projeto educativo emancipatório que se dá por meio da inclusão de aspectos históricos e culturais de grupos étnico-raciais que, por séculos, foram abandonados e excluídos do projeto educacional, como é o caso da população indígena e negra.

Mariana Silva

Gomes reitera ainda que a inclusão dessas epistemologias proporciona uma formação integral preocupada com um saber plural e com práticas socioculturais e de ensino, que refletem criticamente as relações étnico-raciais que operam em território nacional. Esse referencial traz ao aprender uma conotação consciente e crítica, como defendia Paulo Freire (1967). Na Educação o debate das relações étnico-raciais conquistou espaço na agenda política nacional, no início do século XXI, em razões das inúmeras investidas e ações promovidas pelo movimento negro brasileiro e internacional. Ao longo de todo século XX, desde a decretação do fim da escravidão enquanto instituição política brasileira em 1888, diversas coletividades negras foram se organizando em diferentes frentes políticas, desde agremiações artístico-culturais, como os clubes recreativos negros, à partidos políticos, como a Frente Negra Brasileira (Domingues, 2007).

E, dentre as inúmeras bandeiras de luta destacamos a defesa da educação para todos e a inclusão da história do negro no currículo das escolas como mote comum de muitos desses coletivos. No que se refere às lutas dos povos originários, a agência política de líderes e grupos indígenas, implicados com a elaboração e aprovação de pautas pensadas por eles e para eles demarcam a

transição das políticas indigenistas (organizadas sob a tutela do Estado), para as políticas indígenas (encabeçada pelos povos originários (Munduruku, 2012). No cenário internacional por sua vez, merece destaque a luta pelos direitos civis encapada por negros norte-americanos, nos idos das décadas de 1950 e 1960, em razão do sistema de segregação racial institucionalizado naquela sociedade.

Também as diversas lutas de independência travadas por nações e grupo paramilitares, de países colonizados do continente africano, ganharam fôlego e apelo internacional nas décadas de 1970 e 1980. O fim do regime apartheid na África do Sul e a chegada de Nelson Mandela à Presidência da República sul africana, durante a década de 1990, são exemplos que demarcam algumas conquistas históricas do povo negro, contra a opressão institucional de suas identidades e experiências ao redor do mundo.Esse panorama histórico do século XX resultou em uma série de acordos e convenções internacionais pensadas para congregar uma agenda comum de combate às desigualdades étnico-raciais. Assim é que, em 2001, a Organização das Nações Unidas (ONU), promoveu a Conferência Mundial contra o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância Correlata – a Conferência de Durban. Naquela ocasião, a comitiva brasileira, majoritariamente composta de lideranças políticas e intelectuais negras, como a senadora Benedita da Silva e a socióloga Sueli Carneiro, compuseram o grupo responsável pela relatoria da conferência. E, ao tornarem o Brasil signatário da Declaração de Durban, oficializaram o compromisso desta nação com a promulgação de políticas de ações afirmativas, dentre outras resoluções.

As primeiras políticas de ações afirmativas no Brasil foram decretadas no início do século XXI. Esse cenário se arranjou após a realização de intensos debates e proposições organizadas pelos Grupos de Trabalho Interministeriais (GTI) que foram criados durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), em razão de ações e pressões do movimento negro brasileiro, concretizadas na Marcha Zumbi dos Palmares pela Cidadania e pela Vida, realizada em Brasília em 1995, e organizada pelo Movimento Negro Unificado (MNU).

Assim é que a promulgação da Lei 10639/2003, aprovada no governo Lula, é a primeira dentre as políticas de ações afirmativas que foram aprovadas, desde então. Essa lei alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (9394/1996), incluindo dois artigos. O art. 26-A incluiu o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira no currículo das escolas de ensino fundamental e médio do país. E, o artigo 79-B incluiu o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, como data do calendário escolar nacional. Em 2008, a promulgação da Lei 11645/2008, alterou novamente o artigo 26-A e adicionou o ensino de história e cultura indígena no currículo escolar.Essa conjuntura educacional imprimiu um novo sentido ao fazer docente no Brasil. O saber, o aprender e as práticas de ensino alcançaram uma dimensão política que acrescentou à qualidade educacional e aos deveres da educação um novo propósito: o compromisso com a educação antirracista. A perspectiva da educação antirracista no Brasil está registrada nas DCNERER (Brasil, 2004), fruto da relatoria da prof. Petronilha Beatriz G. e Silva, grande intelectual e referencial clássico do estudo da educação das relações étnico-raciais (ERER) no Brasil. Em 2004, a Resolução CNE/CP 01/2004 institucionalizou as Diretrizes Curriculares Nacionais para ERER e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana (DCNERER) que, por sua vez, estão fundamentadas no Parecer Federal CNE/CP 03/2004. O Parecer Federal e a Resolução são dois documentos que parametrizam a educação antirracista a ser implementada nas escolas de educação básica no Brasil e, por conseguinte, estendem a obrigatoriedade desse núcleo didático aos cursos de formação inicial e continuada dos profissionais da educação, conforme registra o artigo 1º da Resolução 01/2004. O Parecer Federal explica e justifica a pertinência do planejamento e desenvolvimento de um fazer docente embasado em conhecimentos críticos que reconheçam as desigualdades étnico-raciais existentes no Brasil, e que planejem, intencionalmente, ações educativas de combate ao racismo, ensinando sobre a valorização de aspectos históricos e culturais de matrizes africanas, afro-brasileiras e indígenas.A ERER, desde o início do século XXI, tem se tornado um profícuo campo de estudos e pesquisas que alicerçam o compromisso político do Estado brasileiro com o combate ao racismo e o desenvolvimento de políticas de equidade. Ao refletir sobre ensinar e aprender relações étnico-raciais no Brasil , Petronilha Silva (2008) afirma que este núcleo de ensino deve estar voltado para desconstruir estereótipos e preconceitos raciais, ensinando e politizando a valorização da diversidade da étnico-racial de nosso país, com destaque para os aspectos histórico-culturais da população negra e dos povos originários.Aprender, saber e ensinar sobre relações étnico-raciais é um pilar do fazer docente na educação brasileira. Tal elaboração está subsidiada em conhecimentos historicamente acumulados por experiências ancestrais, estratégias de lutas e conquistas políticas alcançadas pela população negra e povos originários; em determinações de políticas educacionais antirracistas, como as DCNERER, as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Escolar Quilombola (DCNEEQ) e as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Escolar Indígena (DCNEI); e em práticas de ensino planejadas para desinstitucionalizar as desigualdades raciais em educação, que tem sido documentadas em estudos e pesquisas produzidas por instituições e grupos de pesquisa implicados com uma educação antirracista, como o Grupo de Pesquisa Educação, Territórios Negros e Saúde (ETNS) da UFSCar, dentre outros.Os subsídios docentes para uma didática da ERER precisam considerar conteúdos e práticas pedagógicas antirracistas (saber e ensinar) e o compromisso dialógico com a pluralidade de saberes e experiências que qualificam os grupos étnico-raciais brasileiros (aprender), com destaque para os grupos negros e indígenas. Tais subsídios reafirmam a docência como um campo de atuação política crítica e consciente, que pensa e repensa processos de ensino e aprendizagem numa perspectiva emancipatória. Trata-se de um compromisso explícito e propositivo com a equidade racial enquanto projeto de justiça social.

Referências:


BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Resolução CNE/CP nº 1, de 17 de junho de 2004. Brasília: MEC, 2004. DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, v. 12, n. 23, p. 100–122, 2007.FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1967.GOMES, Nilma L. Diversidade cultural e formação de professores: um diálogo necessário. Educ. Rev., Belo Horizonte , n. número especial, p. 151-167, jun. 2000 . LIBÂNEO, JOSÉ C.. Formação de Professores e Didática para Desenvolvimento Humano. Educação & Realidade, v. 40, n. 2, p. 629–650, abr. 2015.MUNDURUKU, Daniel. O caráter educativo do movimento indígena brasileiro (1970-1990). São Paulo: Paulinas, 2012.SILVA, Petronilha. B. G. e. Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil. Educação, 30(3), 2008.

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